quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Vamos sobrecarregar o peixe miúdo para aliviar o graúdo que é para o graúdo poder empregar (a ver vamos, como diz o outro) o miúdo, que entretanto perde poder de compra enquanto o graúdo engorda à pala da mesma precariedade, dos mesmos trabalhos mal pagos, dos mesmos pseudo-contratos, e porque o que sabe mesmo bem é não fazer contratos com ninguém, e faz bem à economia, à prima e à tia. Então o miúdo, é o vê se te avias, até ao dia em que, já sem outra opção, diz: Não! Vem abaixo o Governo, sobrevive a nação.
I really don't know how to say this, but you have something on your tits.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Bus-Burriés

Os autocarros são lugares porcos. Explico.Quase sempre que me sento num dá-me uma vontade brutal de escarafunchar o nariz, à procura de burriés. Analisando tal impulsividade induzida: ou para matar o tempo ou para mostrar aos mitras o meu à vontade com a sua falta de noção de propriedade. Ninguém quer tocar em trocos ou cigarros tocados por dedos poluídos por fluídos e solidificações nasais. Tirar macacos do nariz é berrar mais alto do que qualquer chunguita de subúrbio.

sábado, 25 de agosto de 2012

Porque é que hás-de te estar a pre-ocupar com a forma, se o conteúdo é que anda a armar-se em parvo?
Porque é que hás detestar (a preocupar com) a forma, se o conte-tudo é que anda a ar, mar, sem parvo?
Porque é que hás de testar a forma, se o conteúdo é g'and'amar sem par. Vo-ar sem mar-heresia.
Etc.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

calipígia

o dia entrou sossegado pela fresta das portadas
os grandes olhos singulares, a espiar-me
como um deus que me vigia o sono
como quem traz raios solares até à pupila estremunhada
uma estátua perfeita que transporta
tudo aquilo que nunca fui capaz de dizer
                                  e de sonhar

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Um autocarro nocturno trepidante, meio cheio, meio vazio, cheio dos cheiros da noite anterior.
Um copo, quieto, instalado entre os bancos, serve de companhia.
Os duro são assim: fazem-se acompanhar de exemplares económicos (daquelas séries oferecidas pelos jornais de referência) da Balada da Praia dos Cães e de copos vazios ainda a cheirar a gin-tónico.
Útil instrumento para estragar a cara de algum mitra que peça um cigarro ou um euro.
A viagem é marcada pelo pensamento de chegar a casa e pensar nas coxas que se agitaram à sua frente, durante a noite, sob jeans apertados.
Nada se concretiza.

sábado, 14 de julho de 2012

Um galo interrompeu o silêncio da madrugada para dar-me a conhecer o facto de que me deitava demasiado tarde. É o apego da ruralidade ao que é saudável. Fuck you Lisboa.
Ontem achei que estava demasiado velho para hoje. Hoje achei que o tempo era relativo.
Acho que se envelhece mais rápido sozinho.
Todos os rostos envelhecem. Uns tornam-se mais abstractos com a ausência.
Quem é esta estranha que amei os anos mais anos da minha vida?

domingo, 1 de julho de 2012

Pastilha ou como tentar ser profundo em questões superficiais.


 Encontro uma pastilha esmagada na passeio,
tento ignorar, passar de largo, esquecer a sua existência
mas aquela massa viscosa prende-me a atenção. Paro.
Fico a fitá-la durante uns momentos, os outros espantam-se
com o meu espanto. Dir-se-ia que está louco, coitado, em tão tenra idade
já a quedar-se com questões tão profundas. Se alguém pára na rua
para absorto fixar o chão, é porque  trata de questões profundas.
O meu olho direito verte uma lágrima, compadeço-me com a existência
daquela pasta suja e solidificada. Projectada da boca para o chão, passou
a habitar o mundo da bidimensionalidade. E que já sentiu o peso indigno de tantos
corpos. Aquela questão superficial torna-se profunda.
É o achatamento do ego, pisado pelo porte de tantos outros.
É o retrato inteligente de um coração abandonado. É um happening.
É um manifesto, obra insurrecta contra a maçonaria, poupai-nos
do hipócrita advento da pedra angular. É a iniquidade a macular o alvo das pedras calcárias,
pecado original, sem tradução. É o asco de quem cospe um impropério contra a cidade.
É o ralo por onde escoam as imundícies que a boca fala.
É a degradação humana. É uma falta de educação.
O buraco negro que suga a energia positiva-zen-feng shui-astral dos merdas que somos.
É isso tudo e é também apenas mais um lixo urbano peganhento, nojento, sem tento. Já tolerei muitas outras coisas, esse unguento eu não aguento.


sábado, 9 de junho de 2012

Assalto


Moisés estava disposto a tudo menos acartar com a consequência mais previsível: a perda do seus documentos. Com um golpe esmagou as fuças do que estava à direita, deve ter morrido, tal era o sangue que jorrava do nariz e dos olhos, se calhar a cana do nariz meteu-se-lhe pelo cérebro a dentro, diz que pode matar uma pessoa; o da esquerda, que empunhava um facalhão de cozinha, confuso com o percalço, deixou que o seu antebraço fosse transformado em duas partes de carne suspensas apenas por peles moles, o grito foi inevitável, prolongou-se com o ressoar da faca a bater nas pedras da calçada, “tili li lim”. Portanto, o da direita já todo escarrapachado no chão, olhos abertos de desmaio ou morte, jorros de sangue intermitentes a vir-lhe do nariz; o da esquerda a cambalear para trás com um braço inutilizável e lágrimas de dor a percorrer-lhe a face. Moisés, de misericórdia, digamos, sobe a perna a uma altura considerável e, num movimento descendente brusco, com um som de cães a trincar ossos, aplica-lhe um golpe com o calcanhar da bota no cocuruto, que transforma a cabeça do dread na cabeça dos bonecos kitsch que se colocam em cima das bagageiras, na parte de trás dos carros: a cabeça bamboleia-se ridiculamente, os olhos rodam loucos nas órbitas da cabeça bamboleante, enquanto o corpo inerte vai caindo para a frente, cuspindo a cara directamente nos paralelos frios de Alcântara. O silêncio citadino que foi interrompido durante uns segundos volta àquela rua, Moisés segue com os seus documentos no calor da carteira. Sem remorsos.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Alçapão quente, geleia de rosmaninho

Hoje leia do seu destino temerosos processos que entes queridos, contudo os de entesar rosmaninho não saltam pouco fogueiras, irão fazer a sã dura na calça-pão.

Oh, geleia doce, eu destino-te morosos processos quentes que ridos, com todos os dentes-arroz, maninho, não sal, tão pouco fogo e eiras, irão fazer assadura na que alça pão.

sábado, 12 de maio de 2012

Primeiro estranha-se

Começo a ler coisas académicas, bem recheadas, gordas, vindas da mais fina intelligentsia francesa. Há logo uma certa atitude de descrença em relação à tese, ao tema. Essa maltinha dos anos 60 acha-se muito capaz de desconstruir, de desconfigurar, de se armar ao pingarelho. Uma rebeldia pacóvia de puto dos anos zero impele-me a tentar refutar a teoria, ridicularizá-la, esfrangalhá-la, despi-la na praça e fazer chacota dela. Passadas duas ou três páginas, o estilo da escrita admoesta-me, a densidade apequena-me. Fico dócil, receptivo, apaixonado. A teoria entra, mastigo-a sem dizer não, engulo-a avidamente. Arroto com satisfação.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Não conformismo is the new conformismo.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Por quem me Thomas, Mann?

domingo, 15 de abril de 2012

O gato da modernidade morreu em miados do século XX.

domingo, 8 de abril de 2012

janelas abertas,
as casas respiravam quietas nos edifícios.
a luz entrava, espantava-me com o reflexo dos corpos.
sentia o cheiro das marés a introduzir-se pelas varandas,
caía nos lençóis das manhãs mais tardias.
os sonhos andavam alto, ardiam com as nuvens
junto das almofadas.
sabia que os barcos ao longe cumpriam a sua tarefa,
as gaivotas cumpriam a sua tarefa,
o vento e a areia e as dunas cumpriam a sua tarefa.
bruxuleantes olhares de contentamento, cumpríamo-nos,
éramos imperfeitos, deleite mútuo.
correspondíamos ao suposto
com as janelas abertas.
às vezes acreditava ver os céus a chorar coisas brancas,
juro,
penas, raios de sol muito definidos,
alguma fabricação romanesca:
corações virgens a amar plenamente em voo bailado.
nesses momentos,
as almofadas estremeciam espantadas com o reflexo dos corpos,
o coro cabeludo arrepiava-se, era a luz que entrava,
e as penas brancas existiam,
os barcos arrepiavam-se por isso,
as gaivotas espantavam-se com os arrepios
e com o reflexo dos corpos.
tudo isso existiu, foi imperfeito,
porque pertence ao passado.
espanto-me com essa imperfeição.
agora,
tacteio o braile da tua ausência,
os dedos tremem sujos neste
poema-toupeira-inversa,
só consigo ver a luz
mas escavo na escuridão.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

O gato como referente para novas coisas.

O texto foge pelo telhado do universo como um gato.
Vagueia pelas estrelas, fica físico, ganha algumas
semelhanças com um real inventado. As coisas agarram
o texto para gerar experiências; há coisas para os nomes.
O objecto não atende pelo nome próprio; o texto
inventa algum outro referente, ludibria o sentido
com novos sentidos, o próprio real declara falência.
As coisas ganham outro nome dentro das estrelas,
não é real, as palavras não andam por lá.
O gato quer voltar à Terra por medo das alturas,
não encontra sentido na palavra «Terra»,
«alturas» passa a ser outra coisa,
há novas possibilidades, tudo agora
pode ser outra coisa, um real inventado
que existe, a cada nova atribuição.
O gato agora é a própria Terra,
desceu do telhado do universo
coberto de novos significados.
A Terra cheia de Terras. Ronronam
um novo mundo, o real inventado
existe.
O Messias anunciado pelos grandes pensadores medíocres esconde-se na ideologia de um comércio obsoleto. A mão invisível serve apenas as ocupações masturbatórias das classes privilegiadas, já de si bastante masturbadas. Essa mesma mão, suja, pautada por pulsões-cifrões, vai escamoteando notas, com a desculpa dos juros, que enchem as panças engravatadas.
Haja vontade. Aja à vontade.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Se eu não viver o suficiente
para conhecer o interior
morto serei uma vida inteira
à superfície das coisas.
Numa tola epiderme
que é mais mosto do que vinho,
neste grande cemitério,
cadáver inacabado,
inebriado pelo vão
e por uma qualquer fácil resolução.
Se eu não viver,
se eu não viver o suficiente,
quebrem-me os ossos quando morrer.
Noz moscada e cravinho
para dar cheiro e sabor
a um cadáver que fede.

Numa alma mais funda que a própria cova.