domingo, 4 de setembro de 2011

Um homem à chuva.

Arrastava-me pela estrada

com a pesada consciência da minha vida.

Ao longe,

cães lançavam ao vento os seus lamentos.

Entravam-me no corpo como espíritos malignos,

irrequietos.

E naquele momento de nevoeiro,

senti toda a solidão do mundo

a enjeitar-me o casaco nos ombros.

O ar sussurrava palavras ininteligíveis,

magras, cinzentas, a cheirar a fósforo.

Fosforescência do sentido na noite.

Se alguém me visse saberia

o quão lâmina é um latido humano.

O quão humano é um lamento canino.

Irreconhecível, encostei-me a um muro.

Decidi estragar-me, comer-me.

Sujava as calças com musgo

enquanto o tabaco era massajado

na mortalha.

Pisquei o olho a uma estrela,

e nesse acto de loucura

reparei que chovia.

Um manto denso de gotículas cobria-me o rosto.

Havia já uma espécie de orvalho a formar-se nos trapos.

Lume na ponta e fumo frio

para dentro.

Lancei os olhos no chão,

o asfalto oferecia aquela coisa triste

de asfalto.

Naquele momento

desejei ser o sapo esmagado

que jazia

a escassos passos de mim.

Sapo-sonho.

Tão lúcido quanto a vida

remexeram-se as entranhas

de sapo

num movimento macabro

e transfiguraram-se numa cabra.

Um aspecto hediondo, pernicioso ao bem-estar.

Um circo de verdes e sangue coagulado

em forma de Baphomet

a fazer-me erguer o sobrolho.

Então, ouvi das vísceras-cabra

algo tão sóbrio quanto o sonho,

tão sombrio quanto o sentido.

- A vida é uma anedota sem graça.

Deixei de perceber se chorava ou chovia.