Arrastava-me pela estrada
com a pesada consciência da minha vida.
Ao longe,
cães lançavam ao vento os seus lamentos.
Entravam-me no corpo como espíritos malignos,
irrequietos.
E naquele momento de nevoeiro,
senti toda a solidão do mundo
a enjeitar-me o casaco nos ombros.
O ar sussurrava palavras ininteligíveis,
magras, cinzentas, a cheirar a fósforo.
Fosforescência do sentido na noite.
Se alguém me visse saberia
o quão lâmina é um latido humano.
O quão humano é um lamento canino.
Irreconhecível, encostei-me a um muro.
Decidi estragar-me, comer-me.
Sujava as calças com musgo
enquanto o tabaco era massajado
na mortalha.
Pisquei o olho a uma estrela,
e nesse acto de loucura
reparei que chovia.
Um manto denso de gotículas cobria-me o rosto.
Havia já uma espécie de orvalho a formar-se nos trapos.
Lume na ponta e fumo frio
para dentro.
Lancei os olhos no chão,
o asfalto oferecia aquela coisa triste
de asfalto.
Naquele momento
desejei ser o sapo esmagado
que jazia
a escassos passos de mim.
Sapo-sonho.
Tão lúcido quanto a vida
remexeram-se as entranhas
de sapo
num movimento macabro
e transfiguraram-se numa cabra.
Um aspecto hediondo, pernicioso ao bem-estar.
Um circo de verdes e sangue coagulado
em forma de Baphomet
a fazer-me erguer o sobrolho.
Então, ouvi das vísceras-cabra
algo tão sóbrio quanto o sonho,
tão sombrio quanto o sentido.
- A vida é uma anedota sem graça.
Deixei de perceber se chorava ou chovia.