janelas abertas,
as casas respiravam quietas nos edifícios.
a luz entrava, espantava-me com o reflexo dos corpos.
sentia o cheiro das marés a introduzir-se pelas varandas,
caía nos lençóis das manhãs mais tardias.
os sonhos andavam alto, ardiam com as nuvens
junto das almofadas.
sabia que os barcos ao longe cumpriam a sua tarefa,
as gaivotas cumpriam a sua tarefa,
o vento e a areia e as dunas cumpriam a sua tarefa.
bruxuleantes olhares de contentamento, cumpríamo-nos,
éramos imperfeitos, deleite mútuo.
correspondíamos ao suposto
com as janelas abertas.
às vezes acreditava ver os céus a chorar coisas brancas,
juro,
penas, raios de sol muito definidos,
alguma fabricação romanesca:
corações virgens a amar plenamente em voo bailado.
nesses momentos,
as almofadas estremeciam espantadas com o reflexo dos corpos,
o coro cabeludo arrepiava-se, era a luz que entrava,
e as penas brancas existiam,
os barcos arrepiavam-se por isso,
as gaivotas espantavam-se com os arrepios
e com o reflexo dos corpos.
tudo isso existiu, foi imperfeito,
porque pertence ao passado.
espanto-me com essa imperfeição.
agora,
tacteio o braile da tua ausência,
os dedos tremem sujos neste
poema-toupeira-inversa,
só consigo ver a luz
mas escavo na escuridão.