Moisés estava disposto a tudo menos acartar com a consequência mais
previsível: a perda do seus documentos. Com um golpe esmagou as fuças do que
estava à direita, deve ter morrido, tal era o sangue que jorrava do nariz e dos
olhos, se calhar a cana do nariz meteu-se-lhe pelo cérebro a dentro, diz que
pode matar uma pessoa; o da esquerda, que empunhava um facalhão de cozinha,
confuso com o percalço, deixou que o seu antebraço fosse transformado em duas
partes de carne suspensas apenas por peles moles, o grito foi inevitável,
prolongou-se com o ressoar da faca a bater nas pedras da calçada, “tili li lim”.
Portanto, o da direita já todo escarrapachado no chão, olhos abertos de desmaio
ou morte, jorros de sangue intermitentes a vir-lhe do nariz; o da esquerda a
cambalear para trás com um braço inutilizável e lágrimas de dor a percorrer-lhe
a face. Moisés, de misericórdia, digamos, sobe a perna a uma altura considerável
e, num movimento descendente brusco, com um som de cães a trincar ossos, aplica-lhe um golpe com o calcanhar da
bota no cocuruto, que transforma a cabeça do dread na cabeça dos bonecos kitsch que se
colocam em cima das bagageiras, na parte de trás dos carros: a cabeça
bamboleia-se ridiculamente, os olhos rodam loucos nas órbitas da cabeça
bamboleante, enquanto o corpo inerte vai caindo para a frente, cuspindo a cara
directamente nos paralelos frios de Alcântara. O silêncio citadino que foi
interrompido durante uns segundos volta àquela rua, Moisés segue com os seus
documentos no calor da carteira. Sem remorsos.