domingo, 1 de julho de 2012

Pastilha ou como tentar ser profundo em questões superficiais.


 Encontro uma pastilha esmagada na passeio,
tento ignorar, passar de largo, esquecer a sua existência
mas aquela massa viscosa prende-me a atenção. Paro.
Fico a fitá-la durante uns momentos, os outros espantam-se
com o meu espanto. Dir-se-ia que está louco, coitado, em tão tenra idade
já a quedar-se com questões tão profundas. Se alguém pára na rua
para absorto fixar o chão, é porque  trata de questões profundas.
O meu olho direito verte uma lágrima, compadeço-me com a existência
daquela pasta suja e solidificada. Projectada da boca para o chão, passou
a habitar o mundo da bidimensionalidade. E que já sentiu o peso indigno de tantos
corpos. Aquela questão superficial torna-se profunda.
É o achatamento do ego, pisado pelo porte de tantos outros.
É o retrato inteligente de um coração abandonado. É um happening.
É um manifesto, obra insurrecta contra a maçonaria, poupai-nos
do hipócrita advento da pedra angular. É a iniquidade a macular o alvo das pedras calcárias,
pecado original, sem tradução. É o asco de quem cospe um impropério contra a cidade.
É o ralo por onde escoam as imundícies que a boca fala.
É a degradação humana. É uma falta de educação.
O buraco negro que suga a energia positiva-zen-feng shui-astral dos merdas que somos.
É isso tudo e é também apenas mais um lixo urbano peganhento, nojento, sem tento. Já tolerei muitas outras coisas, esse unguento eu não aguento.