Encontro uma pastilha esmagada na
passeio,
tento ignorar, passar de largo,
esquecer a sua existência
mas aquela massa viscosa prende-me a
atenção. Paro.
Fico a fitá-la durante uns momentos,
os outros espantam-se
com o meu espanto. Dir-se-ia que está
louco, coitado, em tão tenra idade
já a quedar-se com questões tão
profundas. Se alguém pára na rua
para absorto fixar o chão, é
porque trata de questões profundas.
O meu olho direito verte uma lágrima,
compadeço-me com a existência
daquela pasta suja e solidificada.
Projectada da boca para o chão, passou
a habitar o mundo da
bidimensionalidade. E que já sentiu o peso indigno de tantos
corpos. Aquela questão superficial
torna-se profunda.
É o achatamento do ego, pisado pelo
porte de tantos outros.
É o retrato inteligente de um coração
abandonado. É um happening.
É um manifesto, obra insurrecta contra
a maçonaria, poupai-nos
do hipócrita advento da pedra angular.
É a iniquidade a macular o alvo das pedras calcárias,
pecado original, sem tradução. É o
asco de quem cospe um impropério contra a cidade.
É o ralo por onde escoam as imundícies
que a boca fala.
É a degradação humana. É uma falta de
educação.
O buraco negro que suga a energia
positiva-zen-feng shui-astral dos merdas que somos.
É isso tudo e é também apenas mais um
lixo urbano peganhento, nojento, sem tento. Já tolerei muitas outras coisas, esse
unguento eu não aguento.