sábado, 27 de outubro de 2012

O grande pequeno complexo de inferioridade português.


Muito do que é produzido culturalmente em Portugal e que se difunde pelos grandes canais é genericamente entediante. Regurgitanços de formatos gringos, fórmulas batidas e perfeitamente desinteressantes, sem o mínimo de originalidade e valor cultural. Mas, no entanto, sempre digno da ovação popular do "orgulho de ser português", e, em casos mais agudos de pequenez, em afirmar que "tão bom que nem parece português". É preciso surgir algo que obedeça à lógica da grande global máquina de produção cultural, com uma organização estética e ideológica que de português tem absolutamente nada, para que se diga: "orgulho de isto ser português". Parece que parecer português é parecer de pouca qualidade, é parecer inferior ao resto, é não ser evoluído. Andamos todos orgulhosos de nós próprios por conseguirmos parecermo-nos com os outros. O grande pequeno complexo de inferioridade português.
Esse fantasma que nos assombra há séculos: "Portugal já foi grande". O velho Grande Império e o que sobra dele: os resquícios dessas memórias, que nos imprime vergonha na forma de pensar, que nos castra a forma de avaliar as nossas coisas e de como nos vemos no mundo.
"Nem parece português".
Porque não parecer português é um objectivo que temos que alcançar a todo o custo. Porque não parecer português é mais elegante, é mais sublime, é mais sofisticado. Este pastiche cultural, que até mete nojo aos cães, faz de nós cães atrás do osso-do-outro com nojo do nosso próprio osso.
A grande saloia vergonha urbana das raízes, que se estendeu nacionalmente até à mais distante aldeia.
Se não nos orgulharmos daquilo que parece português, se não nos orgulharmos do que é relevante a nível identitário, se não nos orgulharmos daquilo que transporta consigo uma herança cultural nossa, então não sei o que há mais para nos orgulharmos nesta pequena horta ibérica que não produz nada de realmente distinto para além da cultura.